Por que os mercados quebram?


                                                                                   Sergio da Motta e Albuquerque


Nas  abordagens da imprensa internacional e nacional, a queda vertiginosa das bolsas de valores por todo o mundo foi explicada na imprensa pela expansão do coronavírus, uma epidemia muito menos letal que outras anteriores. A BBC Brasil comentou o poder desta gripe (29/2):

Enquanto a taxa geral de mortalidade da nova doença é de 2,3%, de acordo com um estudo realizado pelo Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças (CCDC), o risco de morte no caso da Sars em 2003 era de aproximadamente 10%; já da Mers girava em torno de 20% a 40%, dependendo do local.”


O Portal G1 da Globo (27/2) informou que 80% das vítimas tinham mais de 60 anos, 75% com doenças respiratórias, além de diabetes e/ou hipertensão. A grande maioria (97%) dos casos fatais estão em Hubei, China. É um tipo de gripe comum, que ataca os mais frágeis e predispostos a progredir até o óbito.


Por que tanto escândalo, então? Nestas ocasiões, o mercado parece se comportar como uma ave de mau agouro, que especula e antecipa desgraças que não aconteceram e provavelmente não vão acontecer. Mesmo assim, o terror se espalha e muita gente perde dinheiro. Principalmente os pequenos investidores, que levam seu dinheiro de sangue ao mercado em busca não tanto de lucro, mas de um alívio nas pressões econômicas que pesam sobre o cidadão comum.


Vamos estabelecer, por convenção de trabalho aqui neste comentário, usar apenas a argumentação da economia tradicional, evitando as teorias da esquerda, com as de Marx. A ideia é testá-la em seus próprios termos e verificar sua coerência. Por quê quebraram os mercados, de forma tão dramática, quando os analistas dos bancos vinham apresentando cenários econômicos idílicos todos os dias? Não estava tudo bem no Brasil depois da reforma da Previdência? O país não ia crescer, com os investimentos internacionais? Onde foram parar todas aquelas avaliações otimistas, nesta hora? Coronavírus? Coronavírus qual o quê.


Não podemos mais usar o recurso da ‘mão invisível’ de Adam Smith, ou mesmo do equilíbrio de Nash, para explicar como o sistema encontra, mantém e reproduz sua conformidade, porque neste “jogo” alguns participantes estão em condição de usar recursos unilaterais que não são os melhores para todos os jogadores. John Nash foi um gênio matemático ianque que criou a teoria (1950) que finalmente enterrou a mão invisível do grande economista escocês, com uma argumentação baseada na Teoria dos Jogos. Quem quiser saber sobre ela em detalhes matemáticos, siga o link acima. Em suma, sua teoria compara a economia a um grande jogo, onde os jogadores usam regras e estratégias que estão em harmonia com os demais. Ninguém está interessado em abalar a paridade entre os participantes, e assim o jogo (ou o mercado) encontra seu equilíbrio. Neste jogo, “qualquer um dos participantes desse meio não conseguirá escolher uma estratégia vencedora se os outros participantes mantiverem suas escolhas iniciais fixas” (Fonte: Sunoresearch, 18/12/2018).



A teoria de Nash é um avanço, diante de Adam Smith, mas ainda assim não explica as quedas cíclicas pelas quais o mercado passa. Ela trata apenas de um sistema estável, e não de suas crises ou desequilíbrios. O coronavírus foi apenas um gatilho, para uma crise baseada em um crescimento irreal do mercado de ações diante dos outros títulos, e, principalmente, diante da realidade da economia real como um todo. Há fundos de ações aqui no Brasil que, até 2019, pagaram mais de 35 % ao ano (Fonte: Banco Itaú). Isso não reflete de maneira alguma a situação da economia brasileira.


Ninguém comemorou a alta do dólar e a queda da bolsa no Brasil. Esta informação é absurda e ideológica. As bolsas mundiais não caíram por causa do vírus que saiu da China, e agora se espalha pelo planeta. O coronavírus foi a gota d’água em um barril cheio mentiras, falsas promessas de lucros e cinismo. Havia, desde o final duvidoso da crise de 2008, um excedente de valorização especulativo, sem base real na expansão da economia real e da massa salarial em todo o mundo. Este excesso – de avaliações astuciosas e dinheiro – esteve presente nos apolíneos pregões das bolsas de ações mundiais, de Nova Iorque a Changai até o início deste ano. Com alguns intervalos para crises recorrentes. Este ciclo de insensatez agora se encerra.


Nestes momentos, o mercado aproveita para expelir os menores investidores, que não podem suportar perdas por longos períodos de tempo. O equilíbrio é alcançado em uma competição entre agentes em condições desiguais, onde o menor é sempre absorvido pelo maior. Assim o mercado se ajusta outra vez, sempre em bases mais precárias. O investimento dos ‘pobres’ são abiscoitados por quem pode comprar ações baratas e esperar suas valorizações ao longo do tempo, como um bom vinho. Trata-se de um jogo de soma zero entre ricos e pobres. Ou quase pobres. Num jogo de soma zero, o que um participante ganha é exatamente igual à perda do outro. Ou outros.


Tal e qual Adam Smith, John Nash não conseguiu convencer muita gente com sua noção de equilíbrio do sistema capitalista. Seu modelo é estático, e nem todos os agentes econômicos estão em condições de igualdade, como no jogo que ele propôs. A menos que excluamos os mais pobres do panorama da economia mundial, e os grandes agentes ditem as regras (Grifo meu). Eu paro por aqui, tentado a usar as explicações mais “`esquerda. Vou deixá-las de fora como prometi, com apenas uma ressalva: o capitalismo corrente no mundo, em seus próprios termos e definições, carece de sentido lógico.


A grande lição que fica, muito além da necessidade da inclusão do pequeno investidor no mercado de capitais, é a necessidade imediata do aumento da presença da massa salarial na formação do produto interno bruto do país. Precisamos voltar a crer em fundamentos econômicos reais. Eles provam que não há economia saudável sem investimento público. Em uma economia como a nossa, em que a atividade informal e o subemprego voltam a crescer a cada dia, os investimentos no mercado de capitais não têm sustentação. Ou lastro. Com ou sem o coronavirus. A fuga de capitais deste país começou bem antes desta queda mundial das bolsas. O capital migra, diante de ameaças irracionais com as que espreitam nosso país desde 2018. O choque foi duplo e muito duro, com causas externas e internas, porque desta vez temos no ‘comando’ a pior equipe de administração da economia nacional em toda nossa história recente.


O mercado de ações quebrou em todo o mundo, porque estava (e ainda está), sobrevalorizado. Os grandes lucros nas bolsas e no mercado financeiro, depois da crise de 2008, jamais refletiram as perdas entre a população trabalhadora e da economia real baseada no trabalho em todo o mundo nos últimos anos.