Sergio da Motta e Albuquerque
Não há nada de errado ou especial em um grupo
relativamente grande que junta seus recursos para ganhar em algum
jogo federal de números. Como caso das pessoas ligadas ao PT que
ganharam um generoso prêmio na conhecida Mega Sena – uma loteria
estatal de números que, do ponto de vista estatístico,
oferece muito poucas chances a cada jogador em sua aposta mínima.
O furor que a história ganhou na sociedade era
previsível, dada a proporção absurda em que a lenda anti-PT
cresceu, até este momento. A revista Exame (19/9), por sua vez,
merece o prêmio pela publicação
do maior insulto à empobrecida população brasileira,
que enfrenta agora um cenário diferente, onde a baixa inflação, a
queda dos juros e a baixa do preço dos alimentos da cesta básica
atuam para rebaixar ainda mais as condições de vida daqueles que
dependem de trabalho assalariado para viver.
Segundo a publicação, uma fonte “que preferiu
não ser identificada”, de acordo com a reportagem, um ganhador ou
ganhadora de parte do prêmio (mais de 2 milhões de reais) declarou
que a quantia não era suficiente para o resto da vida. Observem a
insensatez da suposta fonte na postagem da Exame:
“São
R$ 2 milhões. Não dá para viver o resto da vida. É hora de manter
o pé no chão”, afirmou um dos vencedores, que pediu à reportagem
para não ser identificado. Ele afirmou que está muito feliz e que
vai pensar ainda como investir a bolada”.
A frieza da afirmação pareceu suspeita. Além de
cruel e obtusa. Assim como sua atribuição a uma pessoa ligada ao
PT, um partido comprometido com a justiça social e com o aumento da
participação da massa salarial na economia brasileira.
Dois milhões de reais representam muito mais do que a maioria
absoluta da população brasileira jamais acumulará em toda vida. A
reportagem tendenciosa procurou desqualificar a “liderança do PT”,
que “não apareceu para trabalhar” na quarta-feira. Entenda-se
que todos os ganhadores/servidores e assessores, segundo a revista,
são vagabundos e inimigos do trabalho. E, potencialmente, corruptos.
A quem interessa publicar e atribuir a frase ao
PT? Uma pessoa que tem um bom emprego, que acredita necessitar mais
de 2 milhões de reais (cerca de 500 mil dólares) até o fim de sua
vida, está a viver fora da nossa realidade, e não só dela: ela está
fora do mundo. Essa quantia livraria da miséria milhões de pessoas
na África, Sul da Ásia e China (sim!). Não vamos esquecer a pobre
América do Sul e nela o Brasil, como fez de forma tão insensível o
autor oculto da frase associada a “alguém do PT”.
Não acuso a revista Época da Editora Abril, pela
publicação do insensato insulto a todos os brasileiros. Eu abomino
o Grupo Abril (agora
sob novo proprietário), mas, embora eu ache
pouco provável alguém do Partido dos Trabalhadores desvalorizar
ainda mais a nossa a decadente moeda pela qual tanto lutaram FHC,
Lula e o PT-tal declaração insensata pode ter acontecido. Embora eu
mesmo duvide. Há algo errado ou em falta nessa história. Talvez o
contexto maior em que a frase foi dita. A imprensa costuma fazer isso
a todo momento. Mas esta é apenas a minha avaliação. E eu já
cometi muitos erros em minhas avaliações e escolhas ao longo da
vida.
Vivemos em um mundo materialista e impiedoso. Nele,
a palavra “milionário” não significa mais afluência em vida,
mas sobrevivência como quase pobre, para alguns. Ambicionam muitos
milhões, ou se possível, bilhões de dólares, e não o pobre real,
desvalorizado, em parte, pela incapacidade das nossas administrações
recentes em usar parte das imensas reservas internacionais para
amortecer parte do nosso crescente deficit público - enquanto houve
espaço para isso. O medo, na época (2015-16) era a disparada do dólar.
Agora, com a moeda americana a mais de quatro dólares, talvez seja tarde e
arriscado demais para este recurso.
Essas reservas foram acumuladas e ampliadas
através da expansão recente de nossa economia, graças à
apreciação do real com Fernando Henrique Cardoso na década de
1990, à qual seguiram o aumento da média salarial da população
assalariada, do crédito ao trabalhador brasileiro e do seu poder de compra, durante os
governos do PT. Até as possibilidades do modelo esgotarem-se alguns
anos depois do impacto da crise mundial de 2009 e da queda do preço
das commodities (matérias-primas) no mercado internacional.
Nossa moeda ainda vale algo. Nosso país também.
Mais de dois milhões de reais, a moeda corrente do Brasil,
representam uma soma que é apenas um sonho para não só os mais
pobres entre nós, mas para quase toda a classe média empobrecida
deste país.