Sergio da Motta e Albuquerque
Fui menino nesta
cidade, alguns anos depois do assassinato de Aída Curi,18 anos, atirada
de um prédio em Copacabana ,depois de atraída para uma falsa "aula
de inglês". A vida
daqueles 'playboys' da zona sul carioca era um mistério que exercia uma estranha
atração sobre mim. O crime aconteceu em 1958, na mais famosa praia
do Brasil, durante um período feliz e inocente de nossa História.
Era o início da era do rock. Eu lembro da terrível injustiça, da acusação virada contra a vítima, "porque ela aceitou entrar em um apartamento de um homem". E as mulheres burguesas escandalizavam-se com o comportamento da pobre moça, morta por um facínora.
Quem ainda usa esta palavra?
Naquele tempo,
falava-se em " inferninhos" no Rio de Janeiro. Lugares de
orgias e sexo que eu queria muito saber se eram lenda, fantasia de
uma imprensa provinciana, ou realidade urbana concreta. Eu imaginava
festas privadas apinhadas de gente, em apartamentos mínimos. Um dia,
jovem ainda , mas após os 30 anos, eu resolvi conhecer um deles.
Eu tinha um amigo
grego que conhecia o dono de um clube de sexo em Copacabana. Com
espetáculos de sexo ao vivo. Foi a primeira vez que eu assisti algo
assim. O lugar era interessante: mulheres de seis nus dançavam sobre
pequenas plataformas, inatingíveis. Outras vinham apressadas a
sentarem nos colos dos homens, em pequenas cabines que ficavam em uma
espécie de segundo nível, ao qual acedíamos por uma pequena escada
lateral. O ambiente era escuro, e festivo. Ninguém precisava fazer
nada. Não havia namoro, ciúmes, violência ou hipocrisia. Só sexo
imediato.
Passei a frequentar
os tais inferninhos. Quase todos situados entre a Rua Prado Júnior e
a Praça do Lido, quase perto do Bairro do Leme. Estávamos no final
da década de 1980. Ou no início de 1990. Não lembro bem. O que me
atraiu mais aqueles lugares foram as garotas da classe média bastada
da zona sul, que passaram a frequentar aqueles lugares naquela época,
mas não como prostitutas. Eram pessoas como eu, em busca de uma
aventura não muito perigosa e de preferência, anônima.
Um dia, conheci uma
delas.
Dançamos.
Conversamos na pista lotada de gente. Ela disse que morava com os pais no
Leblon, e que não saía com brasileiros. Ou qualquer pessoa que
falasse a língua portuguesa. O mistério tomou conta de mim. Virou
obsessão. Porque ela me rejeitou, naquela noite. Depois daquela noite eu nunca a vi com homem algum, por mais de alguns minutos. Jamais a esquecerei.
O tempo passou, e
com ele aquela fase de aventuras. Não é uma vida que suportamos viver por
muito tempo. Ainda lembro dela - da moça anônima - naquela noite
quente, em que fomos parceiros de danças e assuntos. Nunca perguntei seu nome. Foi como um sonho quase esquecido, mas ainda assim, querido. Importante. Não há imagem nele, mas um perfil. Um desenho em duas dimensões. Uma sombra reversa de uma presença feminina insistente, independente do desejo ardente
dos homens.
O mesmo impulso da carne que tirou a vida de Aída Curi, naquele distante ano de 1958.