Ignorância de Trump sobre os curdos espantou o mundo: "eles não nos ajudaram na Normandia"

                                                                                                         
Sergio da Motta e Albuquerque



O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, tem abusado de sua sorte, ao ameaçar a Europa com uma invasão de refugiados sírios, caso denunciasse como invasão sua ofensiva para deslocar os combatentes curdos da fronteira com a Síria. O território estratégico foi ganho em combate contra o ISIS, com ajuda americana e Síria. Agora, com a saída da tropa ianque de Trump, os turcos, ameaçados com a perda do controle do acesso ao mundo árabe para os curdos, invadiram a região para além da fronteira com a Síria. Que veio em socorro dos curdos. Observem o mapa abaixo. Foi feito pela CIA e editado por este autor. A área mais clara é habitada por curdos:



Na quarta-feira da semana passada, Donald Trump, em mais uma demostração de ignorância em assuntos internacionais, históricos, geográficos e diplomáticos, disse que abandonou os curdos a sua própria sorte “porque eles não ajudaram na invasão à Normandia” - a porta de entrada à “Fortaleza Europa” de Hitler, em 1944.


O New York Times (10/10), numa rara volta a seus tempos de grande informador mundial em língua inglesa, não deixou passar o absurdo dito por Trump diante da imprensa internacional. Os curdos até hoje nunca tiveram seu próprio estado. Vivem espremidos entre árabes, turcos e iranianos. É provável que descendam dos antigos Medos, primos dos persas do antigo Iran. Não poderiam, mesmo que quisessem, ajudar na luta antinazista. Os curdos eram e são um povo antigo e sem-terra. Como poderiam ter desembarcado tropas no Dia D, no norte da França, em 1944? A estupidez deste argumento é assustadora. Tragicômica.


Trump usou um argumento de um conhecido comentarista reacionário no Twitter, Kurt Schlichter, que foi identificado pelo Times de imediato. A coisa chegou a ser engraçada: curdos no ‘Dia D’. Como seria possível? Em um momento como este, faz falta um grande chargista, para um melhor e mais apurado comentário critico, que exibisse ao mundo, de forma gráfica a estultícia do atual presidente norte-americano.


Esmagados entre interesses regionais e internacionais, essa gente brava sempre lutou pelo seu dia a dia. Pelo simples direito de permanecerem vivos. Ameças diárias rondavam e ainda rondam os lares curdos, há muitos séculos. Eles lutam sem apoio por seus destinos e suas vidas, contra todos que sempre se opõem à criação do Curdistão – o tão sonhado país dos Curdos. Esperar que um povo desvalido do Oriente Médio, que sequer tem seu próprio estado soberano, ajudasse no desembarque na Normandia em 1944, é uma demostração óbvia de extrema ignorância em História e Geografia, imperdoável em qualquer presidente ou outro líder nacional de qualquer parte deste planeta. O Twitter, por sua vez, com sua lógica de ‘celebridades’ e ‘famosidades’, transformou-se na rede social extraoficial para muitos mandatários reacionários e ignorantes, neste nosso mundo de conflitos.


O curdos contribuíram para o esforço de guerra contra a Alemanha nazista, lutando no exército soviético (russo) durante a Segunda Grande Guerra, informou o periódico histórico de Nova Iorque. São combatentes valorosos, que expulsaram os degoladores do ISIS e seu falso califado bárbaro do nordeste da Síria. Território ganho em combate não se devolve sem luta.


Com o norte do Iraque controlado pelos curdos, os turcos, como já mencionei acima, não querem perder para eles – acusados de terroristas por Ancara – o controle do acesso ao mundo árabe, momentaneamente controlado pelos combatentes do Curdistão. Com as conquistas ao norte na vizinha Síria, os curdos acabaram por controlar por completo todas as aproximações dos turcos ao mundo árabe. Pelo menos por terra. A prometida invasão aconteceu, provocando o recuo dos curdos. O ataque turco, entretanto, acabou limitado pelas ameaças de Trump de completa obliteração da economia turca. No dia 17 de outubro, os turcos concordaram em suspender o ataque por cinco dias.


As relações internacionais são permeadas pela hipocrisia humana: em alguns dias, os turcos conseguiram expulsar os curdos para o sul. Erdogan exaltou seus ganhos para seus apoiadores na Turquia. Donald Trump, em campanha para 2020, cumprimentou a si mesmo, por ter sido duro o suficiente com os turcos a ponto de parar a invasão. Depois que os turcos desalojaram os curdos da terra que conquistaram. Após os cinco dias de suspensão dos ataques, ninguém sabe ao certo o que vai ser dos curdos. A faixa de segurança, exigida e conquistada por eles, 20 ou 30 quilômetros dentro do território sírio, vai permanecer. Trump e Erdogan conseguiram o que queriam. Os curdos, mais uma vez foram empurrados para longe das preocupações das grandes potências regionais e internacionais.


O destino da população curda ainda depende do esforço diário de seus combatentes – homens e mulheres. Eles são muçulmanos, mas as mulheres curdas, ao contrário da grande maioria do mundo islâmico, lutam lado a lado dos homens pelas vidas de seus filhos e netos. Sua dor e sua luta diária os tornam mais fortes a cada dia diante da ameça militar dos turcos, da indiferença do mundo e da estupidez de Donald Trump e seus asseclas nas redes sociais.