Por que a libertação de Lula não vai soltar milhares de criminosos da cadeia?



Sergio da Motta e Albuquerque




Eu estava á espera da próxima fornada, no supermercado, quando ouvi o padeiro dizer: “Lula foi solto”. Ele falava com uma cliente-uma senhora um pouco mais velha que ele. O jovem continuou, indignado: “Agora, mais de 100 mil condenados em segunda instância serão libertados. Muito bandido (sic) vai ser solto hoje, senhora”. A moça aquiesceu. A lenda anti-Lula é poderosa demais para a maioria da população, agora bombardeada por mais esta falsa informação: milhares de presidiários perigosos serão soltos, graças à liberdade de Lula. Será mesmo?
A instituição da prisão preventiva continua firme e forte neste país. É possível e real, e acontece em muitos casos neste país. Faz parte de nossa prática jurídica cotidiana e de nossas leis. A prisão imediata ainda em primeira instância, e antes dela, é um instrumento legal válido em nosso ordenamento jurídico em todo o território nacional. Desde que preenchidos certos requisitos. A prisão preventiva é regulamentada no Código de Processo Penal, no Artigo 312:  
Art. 312:
A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o). (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
Em 2017, Daniel Lima (26/9), então Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminai, advogado e. Especialista em Direito Penal e Processo Penal, escreveu um estudo sobre os requisitos da prisão preventiva que lançou luz sobre este tema. Hoje, diante desta mentira espalhada entre o povo, é importante deixarmos bem claro que não vai haver soltura de presos em massa neste país depois da libertação de Lula da Silva.
A prisão preventiva de criminosos, deve preencher certos requisitos, esclarece o Daniel, citando Aury Lopes Jr (“Prisões Cautelares”. 4ª ed.: Saraiva., 2013. São Paulo):
para a decretação de uma prisão preventiva, diante do alto grau de restrição na esfera individual que ela implica, é necessário que haja um juízo de probabilidade, não sendo suficiente uma mera possibilidade.
O autor explica que a probabilidade exige uma maior verossimilhança dos requisitos positivos que caracterizam o crime; a prova de que a conduta é típica, ilícita e culpável deve ser verossímil”.
Aqui encontramos de imediato a falha principal na acusação, ao propor a prisão de Lula, antes do trânsito em julgado, no caso do imóvel no Guarujá. Por “conduta típica”, acima mencionada como uma das exigências para a prisão cautelar, entende-se, no Direito Brasileiro, conduta ilícita traduzida em tipo penal já definido em Lei, através de ato ilegal preliminar já praticado e punido pela legislação.
Qual foi a “conduta típica” criminal de Lula? De que modo Moro a provou, no caso do apartamento do Guarujá? Sobre quais bases o julgador escorou suas teses sobre a culpa de Lula, além de qualquer dúvida razoável?
As fundações da acusação de Moro foram como a velha metáfora do ídolo poderosos com pés de barro: uma falsa força, prestes a ser derrubada. Sugiro a todos uma releitura da sentença que condenou Lula e o afastou de sua vitória nas urnas em 2018. Nela encontraremos (tópico 418) um termo de adesão e compromisso de compra de um imóvel não assinado, no domicílio do casal Lula da Silva. Sem assinatura, foi usado como prova de intenção de compra no julgamento de Lula.
Por sete vezes, matérias especulativas e maliciosa do Jornal “O Globo”, foram usadas como provas da propriedade do imóvel (tópicos 376, 412, 418, 525, 599, 609 e 613). A parcialidade corrompida do periódico foi usada como “elemento probatório importante”, contra Lula, mesmo com o cerco da mídia a Lula e ao PT, depois de 2005 e o Escândalo do Mensalão”. Os absurdos continuam por todo o texto da sentença.
No tópico 437 do longo relatório, Moro concluiu que, se Lula respondeu de modo insatisfatório (à acusação) a algumas contradições tolas, então aquilo seria suficiente para sua condenação. Ele esqueceu que um acusado tem o direito de não apesentar prova contra si mesmo – ou abrir espaço que a acusação o faça. Lula, acreditou Moro, foi confuso em questões menores, como quem desistiu primeiro do imóvel, ele ou sua esposa. E se Lula, ditou Moro em sua sentença, não logrou explicar satisfatoriamente algumas contradições circunstanciais sem qualquer relação com seu suposto crime, então ele é culpado. Se foi assim, sentenciou Moro, tudo o que se pode concluir é que Lula, “faltou com a verdade dos fatos em seus depoimentos acerca do apartamento 164-A, triplex, no Guarujá.” Esse foi o âmago, o núcleo principal da “prova” contra Lula.
Lula foi condenado por uma argumentação caricata. Por uma conduta humana comum, por seu acusador considerada suspeita: ele foi contraditório em tópicos irrelevantes, logo, mentiu em juízo. Se mentiu numa corte de justiça, então é culpado de tudo de errado que aconteceu na Petrobras. Uma aberração como conclusão. Como sentença.
Lula foi condenado porque não respondeu de modo a incriminar a si mesmo diante de um juiz mal preparado e mal-intencionado. A retórica tola e corrupta de Moro permanece até hoje como uma afronta básica e perigosa ao direito do cidadão em um estado democrático. Nenhuma pessoa, eu repito é obrigada a produzir provas contra si mesma, esteja ela diante de qualquer autoridade. Interrogar com perguntas dirigidas aniquila a capacidade de defesa de um acusado. Colocar palavras na boca do réu, em um julgamento sem júri, é imoral para um magistrado. Moro abusou desses recursos, naquele julgamento. Naquela farsa.
A posse daqueles imóveis (Guarujá e Atibaia) por Lula são possibilidades. Especulações baseadas em investigações malfeitas. Não estão situadas no ramo das probabilidades. É possível, dadas certas circunstâncias e indiciamentos, imaginarmos Lula como dono dos dois imóveis. Mas não há provas que o afirmem como proprietário, além de qualquer dúvida. Não há juízo de probabilidade, no caso Lula, mas de possibilidade. Isso não basta para a prisão preventiva. Ou em segunda instância.
Recapitulando: a prisão em primeira instância, e a prisão cautelar continuam em vigor neste país. Um criminoso pode ser preso mesmo antes de ser proferida qualquer sentença contra ele. Quem está preso, em primeira ou segunda instância, ou mesmo antes de acusado, em firme base legal, e com a devida tipificação do delito pela Lei, vai continuar preso.