O sonho lascivo de um homem idoso



Sergio da Motta e Albuquerque


Outro dia, eu acordei nas alturas. Como se estivesse no céu, ou alguma estranha bênção houvesse caído sobre mim. Eu me sentia muito bem – coisa muito difícil a mim nos tempos de hoje. Fui dormir sem ligar o ar-condicionado. Não estava muito quente em meu quarto, naquela noite, e eu adormeci. Tive um sonho estranho, real como poucos. Arrebatador. Surpreendente. Eu tenho mais de 60 anos, e de um certo tempo para cá é muito raro ter algum sonho libidinoso.

Eu estava vestido de forma impecável, em cima de um elevado – uma ponte sobre autos em velocidade numa grande metrópole. Era o plano viário que se eleva sobre a avenida Paulo de Frontin, que liga zona norte à zona sul, no Rio de Janeiro, eu recordaria depois. Estávamos no meio da tarde, e eu usava um chapéu panamá equatoriano – o melhor deles – um terno bege pastel do século XIX, e sapatos marrons da mesma era. A ponte urbana, naquele mundo delirante, misturava épocas diferentes, o passado e o presente, e dava acesso direto a uma grande casa. Que ficava numa sombra generosa, cálida e fria, a contrastar forte com a luz solar de fora, como em muitas casas e Paços da antiga Lisboa. Eles formam ainda hoje um jogo imprevisto de luz e sombras, que tanto intriga os turistas do Norte da Europa. Como as vetustas e austeras residências de meus avós paternos. Ou a de minha mãe, depois deles.

A entrada principal ficava no andar de cima, e no átrio estava uma linda moça. Parecia familiar e, e ao mesmo tempo, alheia. Era uma criatura do mundo das alucinações e delírios. Era linda.

A pequena, gentil, perguntou:

“- O senhor veio pela casa?”

Eu respondi, enquanto entrava: “Certo. Vim por ela.” A jovem ficou em frente a mim, em um nível, ou degrau, um pouco acima do meu, no mesmo ambiente; a posição correta para que eu tocasse, de forma gentil, sua intimidade. Aconteceu. Durou um instante, mas foi doce como algo que eu nunca vivi acordado, em toda minha vida. Logo depois fui embora. Ela avisou que eu deveria falar com o pai dela. Parti logo após a advertência da desconhecida.

A condição imposta me assustou. Eu, com 65 anos de idade, teria que encarar um homem que por certo era mais jovem que eu. O amor – sim, amor – foi o que sentimos, daí a conversa que me foi exigida com o pai, cobrava um preço alto: havia compromisso no ar. Tudo virou horror absoluto, depois daquele pedido. Gelei. Como voltar e encarar “o velho”? O A coisa era ao mesmo tempo irônica e prosaica. Impalpável e bela, na estética. Ao mesmo tempo, mundana e servil a um mundo arcaico, mas que de alguma forma adequava-se aos dois envolvidos. Ou três, no pior dos casos. Não vamos esquecer do pai. Senti que o homem não gostaria de saber o que aconteceu entre mim e a filha dele.

O medo roubou-me o delírio. Acordei, e percebi que o pavor não havia levado o que eu senti naquele sonho: a perfeição de um idílio em silêncio, respeito, imaginação e encanto. Sem qualquer espécie de ansiedade, violência ou abuso. Foi um momento de suprema gentileza, entre nós dois. Algo assim só acontece em alguns raros sonhos. Pelo menos para mim.

A sexualidade das pessoas mais velhas é tabu para toda a sociedade: ninguém gosta de pensar no assunto. Nem os idosos ou os mais jovens. Isto explica a presença do pai, no encontro acima descrito. Eu, de alguma forma, me senti culpado. Ela deveria ter um pouco mais de 24 ou 25 anos de idade. Eu me senti um velho sujo. Ela poderia ser minha neta. Mesmo que eu não tenha uma, ainda assim eu estava em choque. “No que me transformei na velhice?”, questionei a mim mesmo, horrorizado.

Talvez o tema não possua a estética correta para um mundo cego por imagens maravilhosas como as de hoje, embelezadas primeiro pela televisão, e agora pela internet em ‘Full HD’, ou ‘4K’ para nosso consumo e prazer. Não o meu, ou o de outros da minha condição: nossos corpos e rostos marcados já não mais percebidos como “belos”, como antes, neste mundo hedonista e pagão.

Na web, a sexualidade das pessoas mais velhas é apresentada como perversão. Pornografia. Coisa de circo criminoso empobrecido. Isto é inaceitável, irracional e hipócrita. Certa vez, uma amiga me alertou para uma realidade ordinária e triste, mas pouco contemplada a sério em nossas vidas: quem não envelhece, morre jovem. Bem antes dos idosos.