Sergio da Motta e Albuquerque
O ano de 2020 foi miserável. A imprensa e as redes sociais publicarão coleções de eloquências irrelevantes sobre a ano que passou. Nunca chegarão perto da desalento da maioria. A muitos só restou a fé em dias melhores. Qualquer tipo de fé é um problema: seu eixo é a crença. Sua base é o desejo justo de dias melhores. Mas é apenas vontade. Depende de quem nela acredite e não tem poder manifesto. Que exista por si só, em seus próprios termos. A fé é amparada por uma mistica atraente, mas que não ajuda nos momentos difíceis. Não de modo concreto.
Senão vejamos: diferentes crenças prometem justiça em outros mundos. Outras vidas. Isto é tão desnecessário como a crença na reencarnação. De que adianta a justiça no mundo celestial, se não há lembrança dela de quem quer que seja? Se seu poder não se proclama por toda a terra e os homens? Como pode acontecer a redenção, se o Salvador do Mundo ‘não é deste mundo’?
Do que serve um mundo melhor, prometido após todos os desgostos, se tudo o que temos são histórias e promessas sem assesto? Quem lembra do mundo próspero em espírito que nos foi prometido? Há vida nele? Quem já esteve lá? Esse mundo, concebido desde a antiguidade por filósofos como Platão, não existe. Pior. Mesmo que exista, ele nada significa para quem vive do outro lado dele, aqui, neste planeta.
O ano que passou será lembrado pela infâmia dos cínicos que riram da dor alheia durante a grande epidemia que varreu o mundo. Quanto a mim, prometi que deste ano não consentirei memória.
Nada aconteceu debaixo do sol senão vaidade, indiferença e sofrimento.
Eu não vivo bem com nenhum dos três.
Que venha 2021.
Não tenho expectativas.