Auxílio emergencial atrelado à corte de verbas mínimas em educação e
saúde
A BBC (25/2) publicou uma longa reportagem sobre a tentativa do Ministro Paulo Guedes ressuscitar uma velha a abusiva Proposta de Emenda Constitucional: a PEC 186, de 2019, cuja ementa diz o seguinte:
“Altera o texto permanente da Constituição e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, dispondo sobre medidas permanentes e emergenciais de controle do crescimento das despesas obrigatórias e de reequilíbrio fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, e dá outras providências”.
Com a medida impopular já quase esquecida, o Ministro parece ignorar o sofrimento da população, para mais uma vez tentar aprovar sua agenda, que investe contra dois direitos básicos de qualquer cidadão em uma nação que se pretenda civilizada: o fim dos gastos mínimos obrigatórios em educação e saúde, estabelecidos pela Constituição de 1988. Sem mais essa concessão abusiva, nada de auxílio emergencial. Pelo menos por alguns dias. A votação da PEC 186/2019 foi transferida para terça-feira, dia 2 de Março deste ano, informou a BBC. O auxílio, que o povo precisa, era “para ontem”. Tudo o que temos agora é a promessa de uma votação, na próxima semana. Guedes conseguiu ganhar tempo.
Investida contra as conquistas da Constituição de 1988
Hoje criticada por muitos, a Carta de 1988 representa hoje a lembrança de uma das poucas ocasiões em nossa história em que estivemos todos – esquerda, centro, direita e oportunistas de plantão-próximos de um consenso benéfico a toda a população brasileira. Ela não só garante os gastos em saúde e educação, mas ‘fornece os meios para financiá-los’, explicou à BBC a Procuradora Élida Graziane. Revoltada com a manobra desleal, a solicitadora afirmou que “educação e saúde são os dois principais direitos sociais que justificam a razão de ser do Estado brasileiro”. Eu concordo com ela. Que disse mais:
““Vamos tirar a proteção de custeio que esses direitos têm e voltar àquele debate paroquial, balcanizado e varejista todos os anos, discutir se vai financiar escola, se vai financiar posto de saúde? Não dá”, diz a procuradora. “Os pisos (educação e saúde) têm uma dimensão intertemporal, uma dimensão de proteção quer governo entre ou saia, pois esses são serviços públicos que não podem sofrer problemas de continuidade.”
Guedes deve perder, mais uma vez. Não há como aprovar esta proposta oportunista neste momento. Quem vai aprovar mais austeridade, neste momento? O risco político não compensa. Mas o ministro ganhou tempo, adiou a aprovação do auxílio emergencial e tenta agora, mais uma vez aprovar algo danoso à população brasileira mais empobrecida e aos trabalhadores do setor público. É importante aqui assinalarmos mais uma tentativa da atual administração federal de destruir nosso ensaio de construção de uma civilização abaixo da linha do Equador. Ainda nem começamos a assentar as bases de um estado de bem-estar social por aqui, e o desmonte já começou.
Na realidade, as investidas contra o investimento público nos dois setores nunca cessaram. A escola pública, em seu bêrço, sofreu a oposição da Igreja, da classe média, das elites e de boa parte da população, cooptada por uma sociedade impiedosamente hierarquizada. Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro ainda são os dois heróis pouco lembrados da educação pública neste país. Sem o trabalho conjunto do “conservador” Teixeira, e do “socialista” Darcy Ribeiro, nossa educação pública demoraria muito mais tempo até se tornar realidade.
A saúde pública no Brasil só alcançou a universalidade no atendimento à população, contribuintes ou não do seguro social, depois da Carta Constitucional de 1988. É uma conquista que deve ser preservada a qualquer custo. “Por qualquer meio, se necessário”, com disse Malcolm X nos anos de 1960, em frase hoje legendária para todos: direita, esquerda ou centro. Em 2021, o chamado à luta do militante negro ainda é repetido em todos os cantos do planeta, em inglês, ou em traduções. Malcolm, como o SUS, era universal. Nosso sistema público de saúde também atende aos estrangeiros.
O sistema público de saúde do Brasil: a avaliação de uma organização de seguro de saúde privado norte-americano
O nosso sistema único de saúde, antes da pandemia de 2020, era elogiado por instituições e firmas privadas de seguro social, como a norte-americana ISI (International Students Insurance), que cuida do seguro de saúde de estudantes que vivem fora da órbita dos países de língua inglesa. A organização vende seguros de saúde, e avalia os diferentes sistemas de saúde dos países do mundo inteiro. Isto é o que pensavam os técnicos daquela organização sobre o nosso sistema publico de saúde, antes da atual administração:
‘“O sistema de saúde do Brasil é um de seus mais fortes atributos. Desde 1988, a Constituição Brasileira tem garantido que todos no Brasil tenham acesso aos cuidados médicos. Este cuidado médico está disponível a todos os que estão legalmente no Brasil, o que, claro, inclui estrangeiros como estudantes internacionais. Atendimento em saúde no Brasil pode ser obtido através do sistema nacional público, de provedores privados subsidiados pelo estado, ou do setor privado via seguro particular ou de empregadores. Os hospitais brasileiros são equipados com instalações modernas, e equipamento médico de última geração e tecnologia. São Paulo tem hospitais de classe mundial e é um dos 47 centros mundiais de inovação tecnológica reconhecido pela Organização das Nações Unidas”.
O SUS ainda está de pé, e na luta. O governo Bolsonaro não tem o direito de destruir o bom nome do nosso bravo sistema de saúde, mas tem feito o possível para isso, com todos os meios que dispõe. A tentativa de Guedes é apenas mais uma dessas iniciativas funestas. Não é apenas uma iniciativa privatista para desacreditar nosso sistema de saúde: é um ataque direto às gerações futuras de brasileiros de todas as classes sociais, a cada dia mais próximas de um futuro rústico, inculto e pobre de trabalhadores e empresários da agroindústria e da mineração da matéria bruta, que não agrega valor algum ao que retira da terra.
Acossado por promessas e cortes reais de gastos em quase toda sua curta história, antipatizado e desacreditado por empresários do setor da saúde, condenado por políticos que não mais representam o povo, o SUS resiste. Até quando, não sabemos. O Brasil hoje é um estado falido, isolado no cenário internacional. Não temos alianças ou tratados com nenhuma potência relevante. Somos agora “aliados” a irrelevâncias internacionais como Hungria, Polônia e outros países pequenos e sem interesses em comum conosco – a não ser o virulento sentimento anti-esquerda e antidemocrático que hoje vive e viceja nestes países.
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Obs. Todos os grifos são deste autor
Sugestão de leitura. Texto de Paulo Paim, do ano passado
https://www.jb.com.br/pais/artigo/2020/10/1026292-privatizar-o-sus-nao--salvar-vidas-sim.html