Filho de um deus vencido



    
                                                                                                        Sergio da Motta e Albuquerque



Eu tenho me sentido miserável, maldito e condenado. Filho de outro deus: um deus menor, mau e vingativo, que criou o dinheiro e sua ímpia sociedade. Tudo para nossos pais deu errado, por causa do dinheiro. Apenas por isso, porque dentro deles havia todos os sonhos do mundo. Os mais justos. Os mais lindos que jamais existiram. Todos foram esmagados pela vida na sociedade do dinheiro.

Tudo foi melhor para muitas outras pessoas, dentro das regras deste mundo. Não vou nomeá-las, pois sobre elas também pesa o mesmo arbítrio. O mesmo martírio. Mérito e esforço não entram em questão nesta vida, porque ninguém recebe nada apena por tentar. Vale o resultado final, mesmo que seja obtido de forma desviada, ao arrepio das regras, da educação, da ética ou mesmo da Lei. A luta de nossos pais, eu não sei se valeu a pena.

Valeu para o papai, morto antes dos 50 anos? E para a mamãe? Nunca esquecerei o martírio dos nossos pais. O resultado final foi não foi bom. Tudo ficou pelo caminho, e eu também. Nós também. Quanto mais jovem, maior o dano. Porque, para os menores, nem as doces lembranças de um passado mitificado e querido estão lá, para um breve consolo. Obra daquele deus menor.

Tenho dormido muito, nestes tempos. Angustiado, porque, a cada troca de ideias, o mais importante sempre acaba esquecido, eu procuro refúgio no sono – a única benção que tenho nestes dias. Muita coisa não foi dita. E nem vai ser, pois nesta vida não há tempo para o último pedido de perdão, para o derradeiro ajuste; nem para a palavra final de apaga o mal que fazemos uns aos outros. Assim partimos deste mundo: a sós, e sem realizações que nos consolem, por maiores que tenham sido, ou sonhadas. Nossos pais já morreram, junto com seus sonhos, abortados de forma rude e cruel pelo deus cruel que nos comanda. Ele me levou tudo o que eu poderia ser. Ele afastou de mim de forma letal todos e todas que me amam. Ele fez isso com nós todos.

Se tudo então é um resumo desenhado pelo dinheiro, nenhum sacrifício ou esforço vale a pena, pois o final já foi programado, e não há como fugir dele. A amargura traz consigo seus próprios consolos – a repugnância e o afastamento à vida. A fuga desesperada de um final trágico já anunciado. O desprezo pelos ditames desta sociedade condenada. Ao final, a mim, ao menos, resta a dura aceitação do fim, como o merecido descanso a um mundo que não me quis, nem ao meu amor, ou meu trabalho. O sono, então, que me venha, cada vez mais e mais. Ele é o irmão piedoso da morte. Ele nos consola com seu esquecimento fugaz. Em suas imagens confusas, que muitas vezes aliviam nossas dores. Sua malvada irmã, a ceifadora de vidas, cuida, de forma definitiva, de quem vagou sem rumo nesta vida. Ela é democrática e não faz escolhas, mas prefere aqueles que se perderam neste mundo, e hoje caminham solitários entre seus sentimentos e paixões, abandonados ao fracasso anunciado de uma existência sem sentido.



                                                                            Rio de Janeiro, 4 de Outubro de 2021